15.10.09

Num dia como outro qualquer

Tive de forçar minha mente a parar de pensar para conseguir ter uma boa noite. Eu precisava descansar, me desligar das expectativas e mergulhar num sono profundo, onde o Nada reina ao lado da Paz.

Passei a manhã inconscientemente – privilégio obtido com a rotina – e tentei não olhar para o futuro. O fato de ser uma terça-feira letiva ajudou um pouco. Porém, a enganação começou a perder força com o fim da obrigação chegando, e quando finalmente o sinal bateu, meu coração já palpitava de ansiedade. Engoli a gororoba de um almoço-de-última-hora, me arrumei já com o nervosismo borbulhando em meu corpo. Engraçado como, se algo é especial, não importa quantas vezes se repita, causará sempre um frio na barriga antes, uma impressão surreal durante, e um entorpecimento depois.

Corri como uma prisioneira liberta depois de anos, porém o sedentarismo impediu minha euforia e tive de me contentar com uma caminhada adequada à minha condição física. Ah, se o corpo correspondesse à mente... Nem o som seria tão rápido.

E, quanto mais perto do paraíso eu chegava, mais a montanha-russa em meu estômago acelerava, minhas mãos inquietas tentando canalizar o desejo. Meus olhos vasculhavam a área procurando aquele rosto que tanto me acalma. Então eu o vi, e foi como respirar depois de muito tempo debaixo d’água. Avancei para seus braços, naquele abraço reconfortante que faz minha mente parar de funcionar, dando total atenção ao toque, ao cheiro, ao calor. Sei que por mais expectativas que eu criasse, por mais histórias que minha imaginação inventasse, nada seria tão bom, pois aquilo era real, nós estávamos ali.

E então foi como entrar numa redoma de tranqüilidade, de alegria e contentamento. Já não lembrava mais o que queria dizer, não sabia que dia era aquele. Não fazia idéia da fórmula de baskara, não importava a briga entre capitalismo e socialismo. Até mesmo a dor de cabeça fora levada pelo ar. Por mais bela que fosse a paisagem, meus olhos pareciam um imã sendo atraído para os olhos castanho-claros, de uma transparência mel quase verde à luz do sol, tão sinceros e profundos. Os olhos do meu anjo na Terra.

Se conversamos... Bom, terei de fazer um pouco de força para lembrar o assunto. Poderíamos conversar à distância. Aquele momento, com nossos corpos juntos, assim como nossos espíritos, superava qualquer palavra. Eu estava dizendo EU TE AMO com alma. E sei que ele sentiu, sem precisar ouvir. Envolvida em seus braços, podia sentir seu coração batendo, mesmo com o fone tocando nossas músicas preferidas. Fechei os olhos e quase pude ver a energia que dançava à nossa volta. O amor em seu estado puro, tão terno e divino que por um momento me senti em outra dimensão, somente presa a esse mundo pelo vento úmido do lago, a grama que fazia cócegas.

Tão sublime, o contato de nossas peles, a sua respiração em meu ouvido, nós ali, como se fossemos – e talvez fossemos mesmo – as únicas pessoas nesse espaço. E ao mesmo que era algo maduro, era também ingênuo. Nunca havia estado com alguém daquele jeito, porém, para alguém de fora, parecia apenas um simples abraço, um simples deitar ao lado do outro. É claro, o sentimento não pode ser visto, mas está longe de não ser concreto.

E o tempo me pregava peças, ora avançando lentamente, ora disparando. Por fim, em sua última travessura, o relógio nos obrigou a voltar à realidade, e caminhamos, ainda tentando ficar o mais perto possível, para o fatídico momento de dizer ‘tchau’. Os músculos do meu rosto involuntariamente me obrigavam a sorrir como uma criança na manhã de natal, e eu ri de mim mesma internamente (ou foi externamente? Minha percepção externa estava meio abstrata). Será que as pessoas que passavam por nós podiam sentir aquilo também? A felicidade era grande demais para conseguir guardar apenas em meu coração.

Um abraço de despedida desajeitado, nos afastamos. Olhei em seus olhos e creio que ele sentiu a mesma força nos puxando de volta, e então o último abraço, não triste por causa da separação. Havia tanto sentimento bom que não havia espaço para tristeza. Sorri, me virei para seguir a direção oposta, e internamente um novo sentimento dominava: o de agradecimento. Quando se sente é mais fácil entender o porquê da expressão “Deus é amor”, e eu não poderia me sentir mais privilegiada por ter como mestre de minha vida algo tão grande e superior.

O encontro havia sido tão intenso, eu havia doado e recebido tantas ondas de amor, que minha cabeça parecia ter saído de uma máquina de centrifugação, e a reação normal ao ambiente custou a voltar. Minhas pernas me levaram automaticamente para casa, pois meu espírito ainda voava. As informações se empurravam contra crânio, e aos poucos fui retomando a cabeça-máquina do dia a dia. Quando finalmente cheguei em casa minha alma já havia se conformado com o comum e voltara para minha vida de sempre. Com os sentimentos enfim em ordem, o coração regular, os cinco sentidos funcionando direito e os pensamentos coerentes, pude desfrutar do momento com uma visão de expectador. O lindo espetáculo da vida, a verdadeira vida. Como algo tão grande e forte pode ser suave e contínuo sem alterar em nada sua escala?

Ainda parece impossível que dois seres possam se envolver tão profundamente. O quase impossível essencial à vida. E então entendi o que Carlos Drummond de Andrade quis dizer com "Todo ser humano é um estranho ímpar"

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